segunda-feira, 30 de julho de 2012

AMOR PRÓPRIO - PARTE III


O que é Amor Próprio?

O amor próprio é o amor que as pessoas têm por si mesmas. Muitas vezes as pessoas, por causa de fraquezas antigas, de crises mais recentes, não conseguem defender seus interesses para satisfazer suas necessidades. É um grande tema da psicologia e da psicanálise, já que faz parte do cotidiano dos profissionais destas áreas.

Para ter amor próprio, não significa que a pessoa deverá ter sempre seus desejos satisfeitos, para gostar de si mesmo, ser egoísta, pisar nos outros. O amor próprio faz com que as pessoas ajam positivamente, procurem evitar pensar no passado, quando há tristezas ou mágoas, que procurem sempre lembrar que foi mais uma experiência para poder evoluir, procurando tirar proveito daqueles acontecimentos.

Quem se ama de verdade, procura possuir controle emocional, procura compreender as pessoas, estar sempre, ou a maior parte do tempo, de bem com a vida e esquece a opinião alheia, não guarda raiva, rancor, está sempre disposto a perdoar e têm coragem, confiança e segurança para recomeçar.

“Algumas pessoas transferem para os outros o poder de ser feliz e o controle de decisões importantes de suas vidas. Não seria ausência de amor-próprio?” (por Eugenio Mussak)

Lembro-me bem. Eu praticava medicina e estava em meu consultório já no fim de mais uma jornada de queixas, diagnósticos, esperanças. Ela entrou, sorriu timidamente em resposta às minhas palavras de boasvindas e sentou-se depositando na cadeira ao lado sua bolsa e seu casaco. Esse é o momento em que o médico pergunta algo do tipo: “Então, o que posso fazer pela senhora?”, ou “Agora me diga o que a traz aqui”. Foi o que fiz, para então ouvir uma resposta desconcertante: “Estou aqui porque descobri que estou ‘dormindo com o inimigo’ e preciso de sua ajuda”.

Como havia passado recentemente um filme com esse nome, em que uma mulher era tiranizada pelo marido, pensei, no primeiro momento, que ela estava com problemas em seu casamento e, nesse caso, ela deveria ser atendida por um psicólogo de casais, ou quem sabe por um advogado, e não por um médico fisiologista, que cuida do corpo, ainda que não desdenhe a influência da mente. Ao fazer um comentário nessa linha, a jovem mulher à minha frente argumentou: “O senhor não entendeu, doutor. Eu sou solteira. Quando digo que estou dormindo com o inimigo é porque durmo sozinha, e meu inimigo sou eu mesma. À noite penso em mim e sinto o quanto me detesto”.

Ao perceber que estava diante de um caso de grave ausência de autoestima, voltei a insistir que ela precisava de apoio psicológico, ao que ela respondeu que sabia disso, que estava recebendo atenção de uma psicóloga, e que tinha sido exatamente essa psicóloga que a havia encaminhado para mim, na esperança de que algum investimento em seu corpo a ajudasse a fazer as pazes consigo mesma.

Sim, eu podia ajudar minha paciente a emagrecer, melhorar a postura, tornar-se mais esbelta, através da incorporação de novos hábitos, com exercícios físicos e mudanças alimentares. Mas não seria isso que lhe daria auto-estima, ponderei para mim mesmo. Ela só entraria em um processo de se cuidar se seu amor-próprio fosse o precursor. Em outras palavras, cuidar do corpo requer auto-estima, pois só cuidamos de quem gostamos. A paciente, ao querer afinar a silhueta para sentir-se mais feliz, estava na verdade querendo garantir a aprovação dos outros. Eis o engano, comum, que leva uma pessoa a depender da outra para gostar de si mesma.

É claro que ajudei minha paciente, mas o tratamento não foi exatamente como ela esperava. Não houve pílulas milagrosas nem dietas redentoras. Houve, sim, muito papo de conscientização, muito exercício de auto-apreciação e uma conversa séria sobre seus planos. Como manda o protocolo, essa abordagem contou com a cumplicidade de sua terapeuta, e só ocorreu depois de afastadas doenças e causas físicas para seu excesso de peso. E a mágica aconteceu, mas só teve início quando falamos sobre o projeto de vida e ficou claro que não fazemos projetos comuns com alguém de quem não gostamos. Ao perceber que ela seria sua própria companheira de viagem, concordou em transformar-se em uma companhia melhor, prazerosa, mais “leve”, no sentido humano de ser.

O que é a auto-estima?

Não faltam definições, todas simples demais, como “auto-estima é capacidade de sentir prazer em sua própria companhia”. Não há erros nessas definições, mas elas deixam a desejar, especialmente aos mais ciosos de lógica e bom senso. Ainda bem que existe a psicologia, que, em nosso socorro, explica que auto-estima é percepção lúcida de três fatores: da capacidade de enfrentar os desafios da vida, da aceitação das outras pessoas e do direito de ser feliz.

Dos três, o direito de ser feliz é o mais intenso, pois abrange os outros dois fatores. Somos felizes quando nos sentimos seguros em relação às dificuldades naturais da vida e quando mantemos com as outras pessoas relações harmônicas e construtivas. De fato, a relação da auto-estima com a felicidade parece ser a mais consistente, gerando uma espécie de sistema que se auto-alimenta. A auto-estima saudável garante acesso à felicidade e a felicidade permite a instalação de uma boa auto-estima.

Entretanto, em nossa cultura, há forte tendência à valorização da opinião do outro. Transferimos, com muita freqüência, o poder de construção de nossa auto-estima para as pessoas que nos rodeiam e para as personalidades que admiramos. Como foi dito acima, a relação saudável e prazerosa com os outros faz parte do tripé que sustenta a auto-estima, mas não é, como às vezes parece ser, a única nem a principal responsável por sua construção.

Como a auto-estima e a felicidade costumam caminhar juntas, vivem se encontrando na literatura universal. No livro O Vermelho e o Negro, de Stendhal (na verdade, Marie-Henri Beyle, escritor francês do século 19, cuja principal característica é desnudar o espírito humano com frieza e precisão), há um bom exemplo dessa dobradinha, trafegando pelas dualidades humanas. O próprio título remete aos extremos – vermelho e negro estariam representando o bem e o mal, o amor e o ódio, o ser e o não ser. Seu personagem central, Julien Sorel, é filho de um carpinteiro rude, mas dotado de sensibilidade artística e espírito refinado, que anseia viver com a aristocracia. Toda a trama é baseada na necessidade de ser aceito, de ser o que não é e de negar suas origens.

A felicidade de Julien passava pela aceitação dos outros, aqueles que ele admirava, que o toleravam, mas não o reconheciam como um igual. Belo e sensível, torna-se amante da senhora de Rênal, esposa de seu patrão, e é feliz por ter sido aceito em um leito nobre. Mas, quando um dos filhos da senhora de Rênal adoece, esta acredita que se trata de um castigo divino, pondo fim ao romance. Duro golpe na auto-estima de Julien – nem Deus o aceita como ele deseja ser. Em busca da realização, parte para outros lugares, aprimora sua cultura, faz novos amigos e conhece Mathilde, filha de outro nobre. Ele a engravida, e o pai concorda com o casamento desde que Julien mude de nome, para parecer o que não é – um aristocrata.

O casamento, entretanto, é frustrado por interferência da antiga amante, que ainda o deseja. Ele tenta então matá-la, é preso e a tragédia se completa com sua condenação à morte. Para surpresa de todos, e dele mesmo, Julien não só aceita como deseja a morte, e isso se deve ao fato de que ele percebeu que jamais conseguiria ser o que desejava, ou seja, não ser ele mesmo. A infelicidade e a tragédia desse personagem da literatura representam o anseio daqueles que buscam o reconhecimento do outro para construir sua própria aceitação.

O erro não está em respeitar e até desejar a aceitação do outro, e sim em negar seu direito e seu poder de criar uma identidade singular, baseada em princípios próprios e alimentada por causas pessoais. Viktor Frankl, o psicólogo que criou a logoterapia (psicoterapia baseada na busca do sentido) a partir de sua experiência em um campo de concentração, insiste na quebra da visão pendular entre a auto-aceitação e a aceitação do outro. Segundo ele, se você tende a basear sua imagem na opinião alheia, irá se alienar e frustrar para sempre a possibilidade de construir uma personalidade estável. E se você opta por ignorar o outro e construir sua imagem baseada apenas no que você acha certo, tende a se isolar e criar um comportamento psicótico, em que o outro não tem vez nem valor.

O que Frankl propõe é que você saia do movimento pendular para os lados e crie um movimento para cima, buscando uma causa, uma razão maior que justifique não só sua felicidade, mas também sua existência. Quando estamos ligados a razões superiores, como uma carreira sólida, uma obra social ou um projeto, que pode ser uma viagem, uma família, um livro a ser escrito ou algo assim, temos os elementos de que necessitamos para construir uma autoestima bem sustentada e independente.

Espelho, espelho meu…

Entretanto, negar o papel do outro na construção de nossa auto-imagem não é uma coisa que se deva fazer. A psicóloga Dorothy Briggs dedicou-se a estudar auto-estima, especialmente depois que foi mãe. É dela o ótimo livro A Auto-Estima de Seu Filho (Martins Fontes), um estudo da influência dos pais e, depois, de outras pessoas, a começar pelas primeiras professoras e coleguinhas, em nossa vida auto-afetiva.

Ela propõe uma reflexão sobre o que chama de “fenômeno dos espelhos”, em que pergunta aos pais se eles já se perceberam como espelhos psicológicos que seus filhos usam para construir suas próprias identidades. Sim, os pais são os primeiros referenciais de que as crianças se valem para se sentirem vivas, participantes ativas deste mundo que elas começam a habitar. As crianças se sentirão bonitas, fortes, amadas, corajosas a partir da imagem que o espelho lhes devolva. A construção de uma identidade positiva depende, sem dúvida, de experiências positivas na vida, e essas experiências são compartilhadas.

O fenômeno dos espelhos se amplia na medida em que cresce o mundo ao nosso redor, multiplicando as relações e aumentando os feedbacks. E o problema é que o mundo às vezes parece aquelas salas de espelhos que havia nos parques de diversões. Você se via imensamente gordo em um espelho, para verse magricela e comprido no próximo. Essa situação é cômica porque conseguimos rir de nós mesmos, ou melhor, da imagem distorcida que os espelhos nos devolvem. Rimos porque sabemos que nada daquilo é verdade, nenhuma imagem corresponde à realidade. Conhecemos nossa verdadeira imagem e ela não estava em qualquer daquelas mentirosas superfícies polidas.

E na vida diária, também é assim? Quanto você confia, ou desconfia, do que os espelhos da vida lhe dizem? E quanto essas imagens refletidas são importantes para você? Respostas que só a maturidade é capaz de dar. É claro que os espelhos são importantes, mas, convenhamos, não é isso que importa. O que importa mesmo é o que você fará com o que os espelhos lhe disserem.

Desejar ser o que não é ou, pior, desejar não ser o que é equivale a negar a si mesmo, mentir para a alma, anular sua essência. Como o pobre do Julien Sorel, que tentou matar a única mulher que amava para tentar ficar com a que não amava, mas queria amar, porque achava que assim poderia ser o que não era, mas gostaria de ser. Sermos o que somos verdadeiramente é o único caminho para chegarmos a ser o que desejamos intensamente.

 (Terceira e derradeira parte da palestra da Juliana)

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